Depois de um
longo e tenebroso inverno, voltei! Revigorada pelo tempo, por algumas
experiências, por conversas com alunos, conversas com professores e escuta de opiniões.
Meu tema de hoje é o Ensino Religioso (ER) e não poderia ser diferente. Depois
de ter participado de alguns eventos em que o ensino esteve na pauta, seja como
protagonista ou como antagonista, não posso me furtar de emitir minhas
reflexões aqui que, pouco a pouco, tem se tornado militância. Contudo, lanço
desde já um alerta: não faço militância cega! Sei do percurso histórico do ER
no Brasil, sei das práticas religiosas que se imiscuem nesse meio e sei como
pode ser difícil erradica-las, tanto porque há despreparo de alguns
professores, quanto porque existem organizações religiosas que querem fazer
desse componente curricular instrumento de perpetuação do evangelismo, da
catequização e do proselitismo. A boa notícia é que esses grupos tem diminuído seu
poder de influência década pós década, que os professores constituem uma classe
guerreira que busca instrumentalizar-se para um ER moderno e compromissado com
a democracia (mesmo sem obter apoios das instituições públicas muitas vezes) e,
por fim, existem organizações não-governamentais, sindicatos, associações e outros
que cada vez mais buscam seu lugar no debate público sobre o estatuto do ER num
Estado de direito, laico e pluralista.
Isso, para quem
ainda não sabe, se vê em encontros e seminários como o ocorrido na Universidade
Estadual do Pará, realizado por essa instituição pública de ensino superior em
parceria com o FONAPER. O XIII Seminário Nacional de Formação de Professores para
o Ensino Religioso, realizado entre 6 e 8 de novembro de 2014, teve como tema “Ensino
Religioso, Ciências da(s) Religião(ões) e direitos à aprendizagem: Pesquisas e
práticas pedagógicas” (http://www.fonaper.com.br/xiiisefoper/).
Um feliz e oportuno assunto, tendo em vista que o Ministério
da Educação (MEC) e o Conselho Nacional de Educação (CNE) estão em fase de
discussão e reflexão sobre vários aspectos relacionados ao sistema educacional público,
envolvendo as Diretrizes para a Educação Básica e a Base Nacional Comum de
Educação Básica. Esse debate tem sido realizado desde o início do mês de julho
do corrente ano, cuja finalidade é discutir e indicar as aprendizagens que os
estudantes brasileiros devem alcançar a cada etapa escolar. Tal processo realizado
colaborativamente conta ainda com articulações com a União Nacional de
Dirigentes Municipais de Educação (Undimed) e Conselho Nacional de Secretários
de Educação (Consed), além de ser público e buscar subsídios para esse debate em
organizações como o FONAPER.
A Base Nacional
Comum para a Educação Infantil e Ensinos Fundamental e Médio está prevista no
artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e fala da obrigatoriedade dos
estudos da língua portuguesa e matemática, o conhecimento das ciências naturais
e das ciências que tematizam o social, o cultural e o político nos âmbitos do
Brasil e do mundo. O ER compõe esse quadro de componentes curriculares especificamente
na Base Comum (e não na diversificada), porque se entende que se trata de um
componente que versa sobre a religião (ou religiões) na qualidade de dimensão social
e cultural que constitui a vida dos discentes, cujos saberes tem
contribuições para a formação plena do cidadão e cuja compreensão pode conduzir
à construção de um conhecimento essencial para a vida em sociedade, segundo princípios
como o respeito pela diversidade e pelas liberdades individuais (que envolvem
liberdade de profissão de credo, de ideologia e de culto).
Essa discussão
é retomada num momento histórico importantíssimo. Dentre várias razões, a que
destaco aqui é a simples defesa da democracia, do republicanismo e da laicidade
do Estado que asseguram justamente as liberdades individuais, que têm sido
sistematicamente atacadas por vozes conservadoras e visões estreitas de mundo,
religiosas e não-religiosas. O ER na qualidade de componente curricular que compõem
essa Base Nacional tem a oportunidade de oferecer aos discentes saberes específicos
sobre religiões e tipos de religiosidades, além de chaves de entendimento sobre
as religiões que constituem o campo religioso brasileiro, primeiramente e,
mundial, em segundo lugar, capazes de subsidiá-lo num processo de formação
cogniscitivo, intelectivo e humanitário. O desejo de uma formação plena para
nossos educandos, indicado na Carta Magna, passa necessariamente pelo ensino
sobre as religiões na escola pública e laica. Lugar privilegiado para um debate
livre sobre o que há nas religiões que pode construir ou enfraquecer uma
democracia. Lugar adequado para que as expressões religiosas e seus sentidos
possam ser compreendidos pelos educandos, do ponto de vista interno às
religiões, isto é, por quem as vivencia, mas em perspectiva histórica,
cultural, social e, principalmente, “compreensiva”.
As aspas no
termo compreensiva não são aleatórias. Elas querem chamar atenção para a
finalidade de tal abordagem que, na sociologia e na antropologia da religião ficaram
conhecidas pelo tratamento que Max Weber, por exemplo, concedeu ao objeto
religião. Tal abordagem metodológica é também, com especificidades da área,
mobilizada pela Ciência da(s) Religião(ões) que se ocupa da religião tendo-a
por objeto por excelência e partindo dos discursos sobre ela, suas fontes
primárias, para a elaboração de análises que lhe decifrem, sobretudo, compreendam
o que elas, as religiões e as experiências suscitam, dizem e significam
para aqueles que as professam. De que isso importa?
Simples. Importa
aos cidadãos e cidadãs compreendê-las para que possam construir suas opiniões
sobre elas, para que possam se decidir por elas ou não. Para que possam ser
críticos das religiões, dos religiosos e dos discursos religiosos, com base em
argumentos legítimos e não reducionistas. Para que entendam que crentes, assim
como não crentes, possuem direito de participação no debate público e político,
sob regras que o Estado impõe a todos os partidos, agremiações,
coletivos sociais e representações de civis, sem distinções ou méritos.
Por fim, um
último aspecto da relevância do ER na Base Comum:
Talvez,
no ambiente escolar de uma escola pública, seja o ER a oportunidade e o lugar
mais profícuos para que estudantes, religiosos e não-religiosos, tenham real
conhecimento sobre a diversidade religiosa, de modo desprovido de influências
dos próprios religiosos. Por isso, a real pertinência do tema, a real
necessidade de estarmos atentos às resoluções que serão encaminhadas pelo MEC e
a real relevância de participarmos desse debate, conforme nossa condição de
sujeitos críticos e cidadãos políticos.
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