Expansão

Esse blog tem sido o canal pelo qual tenho publicado textos que resultam de reflexões sobre religião, sociedade e cultura. Hoje, porém, peço licença aos leitores para expressar algo menos acadêmico, mas não menos "eu".
 
...

O universo que se expande a caminho do fim tem no mundo uma fração que abriga cada vez mais gente. Um lugar que não é somente poesia, ternura e harmonia. Porque a natureza é também luta, adaptação e sobrevivência. É romântico o amor eterno, mesmo que tenha sido criado nada mais que no período moderno. Curioso que passamos uma vida querendo vivê-lo, quando seria mais fácil saber que estamos a inventá-lo. Não sei de onde me vem essa consciência aguda, eu bem preferia não gozá-la. Assim amaria as invenções mais belas e vulgares, as que nos fazem momentaneamente felizes. Não é isso o que importa? Sim, eu posso ouvi-los cantar. Posso admirar a leveza com que voam e mesmo espantar-me com seus pulmões tão fortes e pequenos. Os pássaros me distraem. O seu delicado, afinado e melodioso canto é Sagrado. “Tudo que se move é Sagrado”. Fora desse canto fica apenas a consciência do universo em expansão, do fim inevitável, do vazio sem dor, sem alegria, sem qualquer emoção. Apenas nada... Isso não é bom lembrar... Nem bom pensar. Melhor é reinventar a natureza, buscar com ela namorar, imaginar leões mansos numa espécie de paraíso perdido, que se quer recuperar. Essa natureza embelezada nada mais é que cultura, toda ela inventada. Para suportar tanta dor melhor mesmo a luta contra as diferenças, em prol das igualdades, como se pudéssemos ser um com o “uno”. Teologia barata. Voltamos a uma espécie de religião. Não é mística, não se volta para um transcendente, mas cuida do indivíduo, faz dele ídolo, presta-lhe adoração.  Ah, mas então surge a diferença e essa precisa ser nivelada. Necessita ser tolerada. Palavra esquisita essa. Quem quer ser tolerado? Tão difícil é compreender que pode ser natural não ser igual e que fazer chacota do outro é também adaptação. Perdemos a capacidade de rir de nós mesmos, dos nossos absurdos, do ridículo que somos e de quão bestas são as nossas crenças. Invenções. Tão moderno é o respeito, que se mata por ele. Talvez seja essa a doença da humanidade: a modernidade. O impulso pelo controle, pelo linear, pelo culto à decência, pela paz mundial. Essa aparência limpa, esse ambiente clean, essas pessoas tão bem educadas... sem desgraças, sem misérias, tão harmoniosas... A questão fundamental? Não há uma questão fundamental: há desequilíbrio, há desordem, há crise, há falta, há ausência, há angústia, há insatisfação. Isso é o que move o mundo que abriga tanta gente. Essa é a expansão. Se nos levará ao fim, eu não sei. Sei que nesse percurso prezarei pelo direito à ilusão (isso bem poderia estar na Constituição). Para uns valium, para outros religião. Pode ser ainda a política, pode ser ecologia, pode ser uma camisa... Pode ser a academia. Qualquer coisa que nos faça esquecer, que o universo está em expansão.
Elisa Rodrigues
24/02/2015
 
 
 
 

Comentários