Comunhão


Quando penso na palavra comunhão, quase sempre, o que me ocorre de imediato é uma definição ligada à religião. Às vezes, porque comunhão é o nome dado por católicos ao ritual que celebram dominicalmente e que rememora o sacrifício de Jesus Cristo na cruz, para o perdão dos pecados da humanidade. Outras vezes, porque para cristãos de modo geral, a comunhão é esse momento de receber hóstia ou pão, os quais representam o corpo do filho de Deus, morto para que as pessoas fossem salvas de suas misérias, de seus pecados, da solidão.

Esse significado me remete à ideia de que por meio desse pão – que remete ao corpo, que lembra o grande amor de Jesus –, pode se ter restaurada uma relação de união com Deus. E, no fim das contas, a comunhão seria isso: união com Deus, com alguém, com o mistério que ronda…

Mas comunhão é ainda mais.

Gosto de pensar que comunhão é união, porque se encontro sentido em estar em comunhão, em buscar comunhão, reconheço de imediato que não estou só, ou que pelo menos não se pode viver só. Dependemos, dependo, de um outro. Um outro que pode ser Deus, alguém que pode estar ao meu lado.

Gosto de pensar que esse Deus é um outro completamente diferente de mim e que, no entanto, eu preciso dele. Que minha identidade se completa na alteridade dele. E gosto de pensar que esse Deus é bem mais que uma entidade isolada, no seu trono celestial de majestade.

Esse Deus, meu Deus, com quem desejo estar unida, vive na minha filha, no meu companheiro, em minha família. Ele vive nas amigas e amigos que fiz pelo tempo. Ele vive nos caminhos que percorro, nos deliciosos cafés com bolo que como. Ele vive nas águas doces de Oxum, nas águas salgadas de Yemanjá, nas águas de onde o pescador outrora encontrou a imagem de Maria, mãe de Jesus… Ele vive nos ventos que me carregam.

Gosto de pensar que esse outro, de quem preciso, de quem dependo, vive na criança que vive na rua, no velho que trabalha no sinal de trânsito, na mulher que limpa a minha casa.

Às vezes, quase esqueço disso. É quando a sensação de comunhão se esvai e quando torno-me algo como uma versão desumana de mim mesma. Uma versão mísera, mesquinha e egoísta, que quer fazer-me acreditar que não preciso de um outro para falar, desabafar, abraçar, amar, ouvir, acarinhar, gargalhar, chorar, cheirar, tocar...

Não faço ideia de como seria viver assim: nessa completa ausência de relação, que clama por comunhão.

Como seria abrir as cortinas das janelas e jamais ver luz?

Como seria passar pela vida sem ouvir e dar risadas?

Como seria passar uma vida sem tocar com os pés um chão de terra molhada?

Como seria não respirar o cheiro de eucaliptos?

Como seria jamais segurar a mão de alguém?

Comunhão é, para mim, relação de união com um outro. Não apenas com uma pessoa encarnada ou uma entidade revelada. Mas com aqueles e tudo aquilo que está ao meu redor, que me faz saber um pouco mais de mim mesma e ao mesmo tempo me indica limites… Eu não os saberia se vivesse só. 

Tudo isso leva-me a pensar que jamais haveria a palavra, tampouco a experiência da comunhão, se não houvesse um outro radicalmente diferente de mim. A quem, portanto, vale conhecer… mesmo que me desconcerte e que me tire o chão… 

O antônimo de comunhão, pois, é solidão.

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